Segundo Brito, o objetivo de sua obra é “ressaltar o nome de Nevinha Pinheiro para que ela não seja mais uma escritora brasileira, a produzir com qualidade e ter sua produção e sua participação rasuradas, apagadas pelas mãos dos homens que escrevem sobre quem escreve”.
A correspondência entre Nevinha e Drummond foi trocada entre as décadas de 1970 e 1980. No livro, as cartas são seguidas de comentários contextualizadores e interpretativos do organizador.
Transcrição: “Rio, 21 de abril de 1975. Nevinha Pinheiro: Grato por sua carta gentil e imaginosa, ditada por uma simpatia intelectual que me desvanece. Sobre as razões que atribui ao meu gesto haveria muito que conversar. Na realidade, agi tendo em vista a liberdade de expressão e de criação intelectual.Apenas. O abraço cordial de Carlos Drummond de Andrade Ps. O encontro pessoal fica para próxima oportunidade, que marcarei com prazer. CDA”.
Transcrição: "Cara Nevinha: Adorei as cartas e acho que o seu livro será muito gostoso de ler. Apresentação, entretanto, não tenho jeito de alinhavar. Eu assumiria um ar de autoridade no gênero, que não sou. Além disso, minha opinião é que a obra literária se sustenta por si mesma, sem andaimes alheios, você tem talento, e basta. Uma bonita edição, bem distribuída, é o bastante para o livro pegar, não há melhor crítico do que o leitor. Ele pega da obra, lê, julga, e se gostar, vai espalhando pelos quatro ventos o seu entusiasmo. O abraço carinhoso e os melhores votos do Carlos Drummond de Andrade”.
Transcrição: “Rio, 8 de julho, 1986. Querida Nevinha: Que friiiio...! Mas ele é compensado pelo calor de amizades como a sua que reconquista o velhinho franzido. Não tenho respondido suas cartas porque sou irremediavelmente, um mal correspondente mas bem que gosto de recebê-las. Para abreviar as comunicações, dê-me o seu telefone que eu [ilegível]. Não se surpreenda com o mutismo de “nossa” verde-rosa a propósito do serviço inestimável que você me mostra. Faz parte da vida, e já me acostumei a isso em diferentes ocasiões. O espantoso seria, ao contrário, que eles reconhecessem o benefício… Abraço afetuoso do Carlos”.
Alguns telefonemas
Além das cartas, os escritores conversaram diversas vezes por telefonemas. Nevinha, por sua vez, talvez por vocação jornalística, transcrevia o que o poeta lhe dizia em ligação. O g1 selecionou alguns trechos das transcrições de Nevinha, algumas de longa extensão.
(Trecho 1): “Dizendo que eu pedia pra fazer-lhe a entrevista por carta, que estava doente resfriadíssimo e mesmo sendo ideal uma entrevista gravada, ele não estava em condições. Eu perguntasse o que quisesse que ele responderia por carta. Eram 8 horas (21) e quando ele disse o seu nome eu fiquei entusiasmada. E ele perguntou: “Você está bem, minha querida? Eu disse: “Eu ia bem, agora estou ótima”! Ele riu...Que maravilha, com aquela fala encabulada dele”.
(Trecho 1): “Quando viu o meu retrato no jornal “A voz do morro” disse-me linda, o seu retrato está lindo! E depois pelo fato das novelas todas da escola, injustiças comigo e eu brinquei, disse-me uma santa. Mas que eu devia e tinha direito de procurar os meus direitos autorais. Depois me apresentou o neto por telefone e disse que este queria conhecer o carnavalesco. Telefonou-me dizendo que estava com “saudade” de mim...e quando outra vez, perguntei se ele ia bem, falou-me: “Vou, graças a você”.(Trecho 2): Mandei-lhe um retrato meu (que a fotógrafa do “Vale do Rio Doce” havia batido) grande preto e branco. Ele telefonou-me e disse-me eu encanto, no sentido interno que o meu sorriso era de pura bondade e um retrato do meu coração e de minha alma. Que era o maior presente que eu podia dar-lhe e que sempre tinha vontade de pedir um retrato meu, mas que tivera acanhamento, pois eu podia dizer-lhe: “Velho assanhado!”...mas que adorava recebê-lo. E que já me conhecia, não era desconhecida como mandara dizer-lhe, já me conhecia e muito bem (naturalmente que era conhecimento “interno”).
(Trecho 3): Dissera-me antes, outro dia: “você é minha amiga e pode telefonar- me quando quiser pois os amigos são sempre bem vindos e oportunos”. E rematou ser eu sua amiga!
(Trecho 4): E outro dia disse: “Estou com saudade de você!!!”
(Trecho 1): Ele falou que do Carnaval a única lembrança agradável foi a minha atuação, fazendo tudo com carinho e entusiasmo. No mais foi tudo desagradável, sobretudo após o carnaval, as invasões domiciliares e os exageros de cumprimentos pela vitória.
(Trecho 2): Perguntou pelo pelo meu livro, se já havia publicado, isto é se a editora havia aceito. Eu disse que não e que o rapaz Fernando Paixão, havia dito que só aceitava autores famosos. Ele então falou que o único autor brasileiro então a ter chance seria o Pelé.(Trecho 3): Ele admirou-se da editora não valorizar o meu texto e achar que só vale autor conhecido. Perguntei se ele leria o meu restante do original, e ele disse que sim, podia mandar que ele leria sim. E que eu falar que o fato dele ler ser tão importante o quanto publicar ele disse: “Não exageremos!”
15-7-87 Conversei com o poeta
(Trecho 1): E que a opinião dele em relação ao meu livro é a de um velho com 80 anos fora de forma já o que não gera nada! E que existe no todo do meu livro uma pureza que é bela e que ele acha bonita. E que vai falar com o Pedro para me telefonar. Eu disse que agradecia por tudo. E que Deus me pagasse por tudo.
(Trecho 1) Ele está altamente desencantado com o problema da filha, ele falou não ter mais jeito, há sete anos que ela está doente e agora só é medicada para não sentir dores, apenas isso. Ele está doente, mas não foi por causa dela. Ela já estava antes. Ele está muito desencantado. Disse-me que não acredita absolutamente em nada, Deus é algo inventado pelo homem. A vida é uma tragédia, guerras, lutas horrores. Basta ler, abrir um jornal e ver os horrores acontecendo todas as horas.
(Trecho 2): Não creio em absolutamente em nada que não veja na matéria e um pouco na nossa precária ciência. Você me deseja tudo de bom? Não acha que é um...demais? Que é exagero? Quem tem tudo de bom?
(Trecho 3): Dentro de certo limite possível, você é alguém que me dá alegria. Mas eu não tenho razões muito grandes para elas.
Sobre o livro
As correspondências foram preservadas pelas irmãs de Nevinha, Dione e Maria do Carmo Pinheiro. “As irmãs Pinheiro resguardaram com amor e cuidado todo acervo da escritora para doarem à Universidade Estadual da Paraíba, o que resultou no presente livro”, explica o organizador. Ainda não há data oficial de lançamento, mas deve acontecer no próximo mês de setembro em Campina Grande e ainda neste mês em Serra Redonda, terra natal de Nevinha.
A obra é fruto de mais de 3 anos de produção e um dos seus objetivos é buscar as vozes esquecidas ou silenciadas pelo cânone masculino. “Era necessário lançar Nevinha Pinheiro no âmbito universitário para que chegássemos até aqui e seguíssemos para estudá-la na literatura paraibana por sua qualidade já reconhecida por grandes nomes da cultura nacional, a exemplo do poeta Drummond, do folclorista Câmara Cascudo, de Ariano Suassuna, de Érico Veríssimo, de Josué Montello entre outros”, diz Brito, organizador da obra.
"Temos o compromisso de olharmos as injustiças cometidas contra as autoras que encenaram e encenam no cenário literário com excelentes produções, produções de alto nível, mas que foram ou não “queimadas”, ocultadas ou submetidas aos porões do esquecimento e silenciadas como “bruxas” de “péssimas” escritas pelos homens que compõem a 'República Mundial das Letras'", diz Antônio de Brito.
Fonte:https://g1.globo.com